Outra Identidade
A intervenção urbana de Ana Teixeira ecoa uma preocupação que ronda outra Ana (Miranda):[1] “pretender melhoramentos materiais antes dos morais e intelectuais é querer que os efeitos precedam as causas”. Outra Identidade é uma obra intelectualmente sofisticada e a artista é firme na certeza de poder oferecê-la a quem convive com absoluta carência material. Pode-se escolher entre nove modelos de carteira de identidade. No lugar do nome, uma frase. Em troca, deixar-se fotografar de costas, e imprimir sua digital num cartão que fica com a artista. Fica com ela também a pergunta de muitos participantes: qual a finalidade disso?
AMO E NÃO BASTA
Um aspecto importante das intervenções de Ana Teixeira é um absoluto respeito pelo participador, interesse por seus desejos (Recanto para desejos adormecidos), suas histórias de amor (Escuto Histórias de Amor e Vende-se Amor: R$0,10), por seus sonhos (Troco Sonhos). Em Outra Identidade, as maçãs e os petiscos não estão mais presentes, sugerindo que a sedução dessas obras não é material e sim filosófica.[2]
AGORA TANTO FAZ
A palavra ARTE não sai fácil da boca da artista. Para a polícia, Ana explica que, apesar da barraca de camelô – que serve de suporte para a almofada de tinta usada na impressão das digitais, papel para limpar o dedo e uma caixa com as réplicas de carteiras de identidade – não está vendendo nada, apenas trocando a identidade das pessoas que passam pelo Viaduto do Chá ou pela Av. Paulista. Para os participantes incomodados com a inutilidade legal do novo documento, ela observa que na VIDA nem tudo precisa servir para alguma coisa.
NÃO TENHO CERTEZAS
Engana-se quem considera a obra inacessível para os transeuntes do centro de São Paulo. A obra ilustra uma idéia que Ana preza: o discurso da indiferença. Não segmentar, não classificar, não dividir em tribos ou em guetos. Não respeitar a diferença, mas, privilegiando a indiferença, oferecer a todos o mesmo tratamento e as mesmas idéias. As fotos 3 x 4, das nucas e não dos rostos, neutralizam símbolos de diferença.
EU ME DEIXO CONTAMINAR PELA TRISTEZA. QUERIA MENOS DE MIM ÀS VEZES
As frases precisam ser lidas em voz alta pois parte dos participantes não lê. A ingenuidade de tantos – que perguntam se podem usar aquele documento para outras coisas – chega a doer. A firmeza da artista em não ceder a explicações simplistas parece, a princípio, cruel.
TENHO SONHOS
Mas é colocar em prática a ideia de igualdade.
NÃO SEI DE NADA NEM DE MIM
E o trabalho propõe outra questão de identidade: diante da tragédia social brasileira, qual o papel do artista?
SOU UMA PARTE INEVITÁVEL DE MIM
Na onda de internacionalização da arte, são raras as obras que mostram o que deveria ser óbvio: o artista brasileiro não pode escapar da realidade que dorme na calçada da galeria.
AINDA TENHO TEMPO
A discussão da identidade da arte em face às condições sociais brasileiras já foi levada às ruas por frases mais combativas: Incorporo a revolta. Da adversidade vivemos. Temos fome. Ana acorda a questão com frases suaves, confiando na necessidade de arte na vida do transeunte que, cúmplice, deixa na obra uma impressão digital.
[1] Ana Miranda, “A Impaciência do Brasileiro”, Caros Amigos, 76, julho/2003.
[2] Em Troco Sonhos, Ana Teixeira oferece um sonho de padaria em troca do relato de um sonho de vida. Na instalação Recanto para Desejos Adormecidos, os visitantes comem uma maçã e colam os restos da fruta comida na parede da galeria.
Another Identity
The urban intervention of Ana Teixeira is a problem that surrounds another Ana (Miranda): “pretending to improve material before the moral and intellectual is that those who are preceded by causes” [1]
Another Identity is an intellectually sophisticated work and an artist is firm in the certainty of being able to offer it to those who live with absolute material lack. One can again be among the identity card models. No place of the name, a phrase. In return, let yourself be photographed on your back, and print your on a digital card that stays with an artist. There is also a question from many participants: what is the obligation of this?
LOVE AND IS NOT ENOUGH
An important theme of your adventures, your love stories (Listen to Stories of Love and Will): R $ 0,10), for your dreams (I change dreams). In Other Identity, as apples and apples are no longer present, suggesting that the seduction of these works is not material but rather philosophical.[2]
NOW IT DOES NOT MATTER
The word is not easy from the artist’s mouth. For the police, Ana explains that despite not being able to send a support for scanning a copy of the fingerprints, a paper for the finger and a box with identity card replicas – it is not selling anything, just exchanging the identity of the people who are made by Viaduto do Chá or by Av. Paulista. For participants bothered by a legal futility of the new document, she observes what LIFE does not all have to serve anything.
I’M NOT SURE
It is deceived who considers a work inaccessible to passers-by in the center of São Paulo. The work is an idea that values it: the discourse of indifference. Do not segment, do not sort, do not divide into tribes or ghettos. It is not a difference, but privileging an indifference, offering all the opportunities and the same ideas. Like 3 x 4 photos, the symbols neutralize the difference symbols.
I WANTED LESS THAN ME SOMETIMES
The sentences need to be read aloud and can not be read. The ingenuity of so many – who ask themselves using this document for other things – does. The artist’s firmness in not yielding to simplistic explanations seems, at first, cruel.
I HAVE DREAMS
But it’s an idea of equality.
I DO NOT KNOW NOTHING ABOUT ME
And the work has another question of identity: before the Brazilian social tragedy, what is the role of the artist?
I AM AN INEVITABLE PART OF ME
In the wave of the internationalization of art, they are rare as the works that present themselves and present themselves: the Brazilian artist can not escape the reality that sleeps on the gallery sidewalk.
I STILL HAVE TIME
The discussion of the identity of the art in the face of the Brazilian Brazilians has already been taken to the streets by more combative phrases: I incorporate the revolt. From adversity we live. We are hungry. Ana wakes up the issue with soft phrases, relying on art making in the life of the passerby who, accomplice, leaves a digital impression on the work.
1 – Ana Miranda, “The Impatience of the Brazilian”, Dear Friends, 76, July / 2003.
2 – Em Troco Sonhos, Ana Teixeira offers a dream of satisfaction in exchange for the dream of life. In the Recital installation for Briefing Addicts, visitors celebrated a gathering and the remains of food on the gallery wall.